Em 2011, Muamar Khadafi, que governava a Líbia havia 42 anos, foi tirado do poder depois de um levante popular com a ajuda das forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Importantes líderes do Ocidente viajaram para a Líbia na ocasião e comemoraram o triunfo do que chamaram de “Líbia livre”.
Hoje, o país do norte da África está longe da paz e marcado por longos conflitos: desde 2011 ocorrem confrontos e violência entre facções.
Na terça-feira, um ataque contra um hotel de luxo na capital, Trípoli, deixou nove mortos e 12 feridos, uma amostra da violência que prevalece no país.
Segundo testesmunhas, quatro ou cinco homens armados invadiram o hotel Corinthia, complexo usado por empresários, diplomatas, jornalistas estrangeiros e políticos líbios.
Os responsáveis pelo ataque teriam gritado “Deus é grande” enquanto disparavam suas armas no saguão do hotel contra civis e seguranças.
Um grupo que se autodenomina Estado Islâmico da Província de Trípoli assumiu a responsabilidade pelo ataque em uma mensagem postada no Twitter.
Analistas viram o episódio com preocupação, temendo que ele seria um indício de que extremistas islâmicos, que já controlam grandes áreas da Síria e Iraque, estariam agora estendendo sua influência para o norte da África.
Dois governos

O governo não reconhecido de Trípoli afirmou que o atentado foi uma tentativa de assassinar seu primeiro-ministro, que estava no hotel no momento do ataque.
A Líbia é governada por dois governos rivais – e tem dois primeiro-ministros.
“(A Líbia) Tem um primeiro-ministro que representa o governo reconhecido pela comunidade internacional, no leste do país. E tem outro primeiro-ministro, que acredito que estava no hotel na terça-feira, que não é reconhecido pela comunidade internacional e que governa no oeste, sob a bandeira (da coalizão) ‘Amanhecer'”, disse Ian Pannell, correspondente internacional da BBC.
O Amanhecer é uma coalizão de milícias islâmicas que, em agosto de 2014, tomou o aeroporto de Trípoli e proclamou seu próprio governo na capital.
Esta ação culminou cinco semanas de confrontos que eclodiram no bojo das eleições de junho de 2014. A coalizão não aceitou o resultado da votação.
Milícias
Enquanto isto, o Parlamento oficial, que se estabeleceu na cidade oriental de Tobruk, denunciou o ataque como ilegal, chamou a coalizão Amanhecer de “organização terrorista” e declarou um estado de guerra contra o grupo.

E, desta forma, a Líbia está com dois governos rivais, um em Trípoli e outro em Tobruk, cada um lutando para ganhar o apoio das milhares de milícias que lutam no país e deixando como resultado um país profundamente dividido.
“Nada está sob controle. Este é o problema”, disse o correspondente da BBC Farouk Chothia.
“Há muitos grupos armados, uns 1,7 mil, com muitos objetivos diferentes. São milícias baseadas em cidades diferentes, cada uma lutando suas próprias batalhas”, acrescentou.
“Durante o levante (de 2011) qualquer um que tivesse uma arma poderia exigir respeito. Hoje, alguns nem querem uma mudança no país. E parecem mais determinados do que nunca a impor sua vontade.”
“Também há uma divisão ideológica: alguns são islamistas, outros separatistas e outros são liberais”, afirmou o correspondente.
Segundo Chothia, as divisões regionais, éticas e locais “estão criando uma mistura venenosa e explosiva. Alguns temem que a Líbia mergulhará em uma guerra civil”.
Estado Islâmico
O ataque de terça-feira aprofundou os temores de que movimentos islâmicos radicais como Estado Islâmico e Ansar al Sharia estão expandindo sua influência no norte da África.
Ansar al Sharia, que afirma ser a milícia islâmica mais perigosa do país, já controla a segunda cidade da Líbia, Bengasi.
E, segundo Farouk Chothia, há informações de que o grupo já fez alianças com o autodenominado Estado Islâmico.
“Alguns analistas dizem que o grupo inclui homens que participaram de combates na Síria, mas isto não foi confirmado”, disse o correspondente.

“Também há outro grupo, o chamado Conselho da Shura de Jovens Islâmicos, a mais importante das milícias afiliadas ao Estado Islâmico na Líbia, que está baseado em Derna, na costa nordeste do país.”
“Em outubro, seus membros declararam Derna a primeira cidade líbia que se unia ao califato global que o Estados Islâmico prometeu formar”, afirmou Chothia.
Mohamed Eljarh, especialista líbio do Atlantic Council, um centro de estudos em Washington, acredita que a situação na Líbia mostra que a democracia nunca conseguiu se consolidar no país.
“Na Líbia existe uma crise de legitimidade e os únicos que estão dispostos a aceitar um processo democrático são os que estão ganhando. As pessoas vão aceitar um Estado de direito quando as leis estiverem a seu favor”, disse à BBC o acadêmico – atualmente baseado em Tobruk.
“É por isso que temos dois governos lutando por legitimidade, temos dois Parlamentos e dois primeiro-ministros. Isto criou um espaço para que prosperem os grupos armados e para que tenham um papel cada vez mais influente.”
O que é muito preocupante, é que há dois grupos terroristas, Estado Islâmico e Ansar al Sharia, e ambos estão se aproveitando da situação do país”, acrescentou Eljarh.
Mediação

Em 2014, a ONU e a União Europeia lançaram um esforço de mediação com negociações de paz em Genebra, com poucos resultados até agora.
Os críticos afirmam que é um esforço “fraco e tardio” e responsabilizam o Ocidente por apoiar a revolução e “depois abandonar o país à sua própria sorte”.
“Herdamos uma Líbia sem nenhuma instituição, sem Constituição, sem experiência sobre como administrar um país. E a comunidade internacional simplesmente se retirou”, afirmou Guma El-Gamaty, que em 2011 foi coordenador do governo britânico no Conselho Nacional de Transição da Líbia.
“Isto foi um erro. Mas agora, terão de voltar, pois não podem mais ignorar a Líbia”, acrescentou.
Extraído do site http://www.bbc.co.uk/ em 30/01/2015