A poligamia cresce no Estado de Utah, onde há casos de maridos com mais de vinte mulheres
O caso aconteceu nos Estados Unidos. Numa madrugada de verão, uma garota de 16 anos, identificada apenas pelas iniciais M.N., ligou para a polícia de um posto de gasolina de beira de estrada no Estado de Utah. Ela tinha o nariz quebrado e hematomas espalhados pelas pernas, braços e nádegas. Havia chegado cambaleante ao telefone, após correr 11 quilômetros para escapar das chibatadas do cinto de seu pai, o empresário John Daniel Kingston, e do futuro que ele reservara para ela: viver como a 15ª mulher de seu próprio tio. O desespero da menina, que tentava fugir pela segunda vez, gerou processos judiciais contra o pai e o tio-marido e jogou luz sobre uma prática que pouca gente imagina que ainda tivesse adeptos no mundo ocidental. Estima-se que 40.000 americanos vivam em famílias poligâmicas em Utah, o equivalente a 2% da população do Estado. Há casos de homens casados com mais de vinte mulheres e de casamentos entre irmãos. Um desses homens teve cinqüenta filhos com quinze mulheres diferentes.
Alegando motivos religiosos, 40.000 pessoas vivem em famílias poligâmicas em Utah. Isso corresponde a 2% da população do Estado. Até o governador já defendeu esse tipo de relacionamento
O que alimenta a poligamia em Utah é a religião. O Estado é o berço da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias. Seus seguidores, conhecidos como mórmons, seguem preceitos morais rígidos. Não fumam, não bebem e condenam todo e qualquer método contraceptivo. Há 590.000 deles no Brasil e a imensa maioria é a favor do casamento monogâmico e da fidelidade irrestrita entre marido e mulher. Uma pequena parcela dos mórmons, no entanto, defende a poligamia porque essa prática era adotada nas origens da crença, um século e meio atrás. Quando a religião foi criada, em 1830, seu fundador, Joseph Smith, defendia a poligamia como forma de fomentar a reprodução. Quanto mais filhos cada homem tivesse, mais perto do céu ele estaria. A prática foi oficialmente abolida em 1890, por pressão do governo federal americano. John Kingston faz parte de uma dissidência fundamentalista dos mórmons que pretende viver seguindo os preceitos do fundador. A poligamia entre eles é uma imposição religiosa que nem sempre resulta em famílias felizes. Uma pesquisa recente feita pela Universidade de Utah mostrou que os homens poligâmicos são infelizes, vivem rodando de uma casa para outra e são obrigados a trancar-se no carro para conseguir privacidade.
Antes de ser encontrada no posto de gasolina, M.N. fugiu de um rancho que seu pai mantinha a 130 quilômetros de sua casa, em Salt Lake City, para “disciplinar” filhos e mulheres rebeldes. “Eu podia sentir o gosto do sangue em meu nariz já a caminho do rancho”, disse a menina em depoimento no Tribunal de Justiça. Casado com vinte mulheres, entre as quais uma meia-irmã que vem a ser a mãe de M.N., John Kingston foi indiciado pelas agressões à filha e pode pegar entre um e quinze anos de cadeia. O tio e marido, David Kingston, está sendo processado por incesto e abuso sexual de menor. Pode pegar cinco anos de cadeia por crime. Tudo indica, contudo, que o encarceramento dos dois não vai encerrar a polêmica. Já existem dois grupos antagônicos e barulhentos brigando no Estado. De um lado estão as ex-esposas de homens poligâmicos. Elas fundaram uma associação que visa dar amparo às mulheres dispostas a fugir de maridos que adotam a prática. De outro está a União das Mulheres pela Liberdade Religiosa, que congrega esposas satisfeitas com a vida que levam. “As mulheres de meu grupo são felizes em seus relacionamentos”, diz a porta-voz da organização em defesa da poligamia, Mary Potter. Até o governador do Estado entrou na polêmica ao dizer que a poligamia deveria ser entendida como uma opção religiosa.